Critérios de aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990)
Nas linhas que se seguem, descrevemos os critérios seguidos na aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO), de 1990, para a elaboração do Vocabulário Ortográfico do Português. Detemo-nos nos aspetos em que a aplicação do AO implica alterações à grafia das palavras ou que potencialmente suscitam dúvidas.
Alfabeto
As letras <k> (capa), <w> (dâblio) e <y> (ípsilon) passam a integrar o alfabeto do português, que conta agora formalmente com 26 letras. O seu uso, no entanto, não se altera, continuando restringido aos seguintes casos:
antropónimos (nomes de pessoas) e topónimos (nomes de lugares) originários de outras línguas e seus derivados: Kant, kantismo; Wagner, wagneriano; Taylor, taylorista;
siglas, símbolos e palavras e abreviaturas adotadas como unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM; kW (quilowatt);
estrangeirismos, i. e. empréstimos externos, palavras originárias de outras línguas cuja grafia ou propriedades linguísticas não se encontram perfeitamente adaptadas ao português: back-up, windsurf, yeti.
Não foram objeto de tratamento sistemático as palavras com origem noutras línguas faladas no espaço da CPLP, sendo registadas as formas atestadas na tradição lexicográfica.
Uso do <h> inicial
O uso do <h> inicial não é alterado pelo AO.
Trema
O trema foi suprimido na norma brasileira da grafia da língua portuguesa. O seu uso mantém-se apenas em palavras derivadas de nomes próprios estrangeiros escritos com trema: Hübner, hübneriano, Müller, mülleriano.
Divisão silábica
A divisão silábica apresentada para cada forma de citação do VOP segue o determinado pela base XX do AO, correspondendo à divisão para efeitos de translineação.
Maiúsculas e minúsculas iniciais
Passam a escrever-se obrigatoriamente com letra minúscula inicial:
os nomes de meses e de estações do ano - janeiro, fevereiro; primavera, inverno;
as formas fulano, sicrano e beltrano.
Nas suas entradas no VOP, estas palavras são tratadas como nomes comuns, apresentando flexão em número.
Acentuação gráfica
Ditongos e terminações de formas verbais
É eliminado o acento gráfico no ditongo <oi> em palavras graves, e nas formas verbais terminadas em <-eem>: jiboia, paranoico, veem, creem.
Nos casos de palavras graves com ditongo <oi> tónico tem precedência a regra que obriga à marcação da sílaba tónica por meio de acento gráfico em palavras terminadas em <l>, <n>, <r>, <x> e <ps>: destróier.
É eliminado o acento gráfico sobre a letra <u> nas terminações verbais <que>, <gue>, <gui(s)> e <qui(s)> que a tinham: <arguis>, <oblique>.
Além destas alterações, é eliminado, na variedade gráfica brasileira, o acento gráfico no ditongo <ei> em palavras graves, nas terminações verbais em <-oo> e em vogais tónicas <i> e <u> em palavras graves quando precedidas de ditongo: plebeia, bibliorreico; voo, enjoo; baiuca, saiinha.
Desambiguação de homógrafos
Em geral, são eliminados os acentos gráficos que serviam para desambiguar palavras homógrafas:
antes da aplicação do AO, pêlo e pelo, mas agora apenas pelo;
antes da aplicação do AO, pára e para, mas agora apenas para.
Mantêm-se, no entanto, as seguintes exceções, continuando a ser distinguidas por meio de acento gráfico as formas:
por (preposição) e pôr (verbo);
as formas pode (presente do indicativo) e pôde (pretérito perfeito) do verbo poder;
Passa a ser opcional o uso do acento gráfico para distinguir os seguintes casos:
as formas do presente das do pretérito perfeito do indicativo em muitos verbos da 1ª conjugação: amamos (presente), mas amámos ou amamos (pretérito perfeito);
as formas demos (pretérito perfeito do indicativo) e dêmos (presente do conjuntivo e imperativo) do verbo dar.
Hifenização
Palavras com prefixos e radicais de composição
Os prefixos e radicais de composição (elementos não autónomos como mini- ou agro-) não são por princípio geral separados por meio de hífen das palavras a que se juntam: antirrevolucionário, megaconcerto, minissaia, socioeconómico, ultraligeiro.
O hífen é usado após estes elementos quando:
a palavra a que se juntam começa pela letra <h>, exceto no caso de palavras formadas com prefixos átonos como des-, in- e re- que já se justapunham, antes da aplicação do AO, sem hífen: anti-histamínico, contra-harmónico, neo-helénico, sub-hepático, super-homem (mas desumano, inábil, reabilitar);
a letra com que terminam é a mesma com que se inicia a palavra a que se juntam, exceto no caso de prefixos como co-, pre- e pro-, prefixos átonos, que já se justapunham, antes da aplicação do AO, sem hífen: arqui-inimigo, micro-ondas, mas cooperação, preencher;
terminam por <n> ou <m> e palavra a que se juntam começa com uma dessas consoantes ou com vogal: circum-adjacência, pan-nacional;
terminam por <b> ou <d> e a sua aglutinação provoque uma leitura que não reflita a pronúncia da palavra: ad-rogar, sub-regulamentar;
são sota-, soto-, vice-, vizo-, grão-, grã- ou ex- (com sentido de anterioridade): vice-presidente, grão-vizir, ex-marido;
são acentuados graficamente: pré-reforma, pós-verbal;
a palavra a que se juntam é um estrangeirismo, um nome próprio ou uma sigla:
anti-apartheid, anti-Europa, mini-GPS.
Locuções
As locuções substantivas escrevem-se por princípio geral sem hífen (mantendo separados por espaço os seus elementos). Esta regra implica que passem a escrever-se sem hífen a generalidade das sequências constituídas por um nome seguido de preposição e de outro nome: dia a dia, cor de vinho, fim de semana. O VOP atesta todas as locuções registadas na sua principal obra de referência, o Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves; deve assumir-se que são escritas sem hífen as locuções não atestadas no VOP. Por lhes ser feita referência explícita no texto do AO, são registadas no VOP com hífen as seguintes exceções: arco-da-velha, água-de-colónia, cor-de-rosa, mais-que-perfeito e pé-de-meia. Para todas elas o VOP assume como também aceitáveis variantes (não preferenciais) sem hífen.
Constituem exceção à regra geral, sendo os seus elementos sempre unidos por hífen, os nomes que designem espécies zoológicas e botânicas: bico-de-papagaio (flor), cabeça-de-prego (inseto), mas bico de papagaio (espondilose), cabeça de prego (termo da gíria tipográfica).
Verbo haver seguido de preposição de
Elimina-se a ligação por meio de hífen das formas monossilábicas do verbo haver à preposição de: hei de, hás de, há de, hão de.
Outros compostos, unidades discursivas lexicalizadas e encadeamentos vocabulares
O uso do hífen em sequências deste tipo não sofre alteração. Seguiu-se o princípio lexicográfico de não hifenizar grupos de palavras que se comportem como sequências sintáticas livres, por vezes registadas com hífen em obras lexicográficas mais recentes. Encontram-se registados no VOP todos os compostos hifenizados atestados no Vocabulário da Língua Portuguesa de Rebelo Gonçalves e no texto do AO.
Consoantes mudas
Em cada variedade nacional, eliminam-se as consoantes <c> ou <p> quando precedem um <c>, <ç>, ou <t> e não são realizadas foneticamente como consoante oclusiva: ação, coletivo, inseto, objeção, ótimo.
Em cada variedade nacional, mantêm-se essas consoantes nos casos em que são realizadas como oclusiva, independentemente da existência de casos de variação entre países: pacto, apto, facto em Portugal, fato no Brasil, sumptuoso em Portugal, suntuoso no Brasil.
Nos casos em que, numa variedade nacional, existe variação na produção dessa consonante, aceitam-se ambas as variantes: em Portugal são válidas as formas assético e asséptico, concetual e conceptual,
caráter e carácter. No VOP, para Portugal, estes casos são menos de duzentos (0.01% do total).
Para determinar a aplicação desta regra, o VOP consultou a transcrição fonética e as indicações ortoépicas das suas fontes de referência (indicadas abaixo), corpora de fala espontânea como o Corp-Oral e, em casos de dúvida, efetuou testes vários: de leitura (usando a grafia de 1945), de preferência (por uma de duas pronúncias ouvidas), e de elicitação por contexto (i.e. sem recurso à leitura ou audição de cada caso).
Variação
São registadas, sempre que atestadas num instrumento de aplicação do AO, todas as variantes ortográficas ou outras, nomeadamente as que restringem, como previsto pelo Plano de Ação de Brasília para a Promoção, a Difusão e a Projeção da Língua Portuguesa, o âmbito geográfico das variantes em casos de facultatividade introduzidos pelo AO. A fonte tomada como referência para o português do Brasil foi o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, pelo que as variantes indicadas no VOP para o português do Brasil refletem a nomenclatura daquela obra e não trabalho original. Nos casos em que uma forma do português europeu implica, pela regular aplicação as regras, a existência de uma variante correspondente noutra variedade que não se encontra registada nos instrumentos de aplicação do AO, a forma dessa variante foi assumida a partir de casos semelhantes ou por generalização. Procedeu-se, muito ocasionalmente, à homogeneização destas formas, sempre que um caso particular constituía exceção ao observado nas formas do mesmo paradigma atestadas num dado instrumento.
O VOP apenas pretende determinar a forma correta de escrever as palavras em Portugal. Para consulta da forma correta noutras variedades, deve ser sempre consultado o instrumento de regulação ortográfica que desempenhe função semelhante em cada país.
Não foram alvo de tratamento sistemático as formas divergentes que não resultam da facultatividade permitida pelas normas do AO (e.g. húmido, forma usada em Portugal, e úmido, forma usada no Brasil); nestes casos, é sempre atestada a forma correspondente ao português europeu, podendo ser registadas as formas correspondentes noutras variedades.
Principais fontes lexicográficas
Vocabulário da Língua Portuguesa, Rebelo Gonçalves (1966).
Dicionário da Língua Portuguesa Comtemporânea, Academia das Ciências de Lisboa (2001)
Grande Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora (1.ª ed., 2004)
Corpus de referência
CETEMPúblico, da Linguateca
Entidades consultadas
ANAFRE - Associação Nacional de Freguesias
Direção Geral da Tradução da Comissão Europeia
FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia
IPQ - Instituto Português da Qualidade
ILTEC, 3 de fevereiro de 2012 (v. 1.3)
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